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ARTIGOS & OPINIÕES

A qualidade da água e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

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Por Eduardo Cyrino de Oliveira Filho*

No ano de 2015, a Organização das Nações Unidas (ONU) e seus Estados membros, incluindo o Brasil, definiram um plano de atividades a serem realizadas até o ano de 2030, constando de 17 objetivos e 169 metas, chamados de Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Tratam-se de objetivos amplos e muito complexos envolvendo dimensões sociais, econômicas e ambientais. Segundo artigo de representantes da UNESCO, da FAO e da Rede Brasil do Pacto Global, publicado em 2021, a água é um fator crítico para praticamente todos os ODS.

Quando pensamos nos ODS, de certa forma a água tem participação significativa em todos eles. Mas e água com qualidade, onde entra? Primeiramente, precisamos entender o que é “qualidade”. O termo qualidade vem do latim qualitate e é utilizado em situações bem distintas, sendo várias as definições. A Associação de Bibliotecas do Reino Unido afirmou, em 1994, que qualidade é fácil de reconhecer, mas difícil de definir.

Em geral, a qualidade é uma característica ou propriedade atribuída a alguém ou a alguma coisa. Muitas vezes está alinhada ao grau de excelência atribuída. E qualidade de água? Incolor, inodora e insípida? É pouco. Nesse caso, para atribuir ou definir qualidade é necessariamente imprescindível saber para qual finalidade a qualidade é desejada, visto que nem tudo o que é bom para um fim também é bom para outro. Para cada uso – consumo humano, dessedentação animal, irrigação, balneabilidade, geração de energia, manutenção da vida aquática, entre outros fins – é desejável um nível de qualidade diferente. Mas como é atribuída a qualidade da água?

De acordo com algumas conceituações, a qualidade da água é definida em função de um conjunto de características físicas, químicas e biológicas, conforme a sua utilização, e esta é a grande questão: a utilização. Quando se pensa nos ODS, entende-se que são 17 objetivos e, desse modo, existem diferentes utilizações da água entre essas várias finalidades.

Por exemplo, no ODS 1 (Erradicação da pobreza) há previsão de garantir o acesso a serviços básicos, incluindo os recursos naturais. No ODS 2 (Fome zero e agricultura sustentável), é nítida a necessidade da existência de água com quantidade e qualidade para alcançá-lo, o mesmo ocorrendo no ODS 3 (Saúde e bem-estar) quando se aborda as doenças transmitidas pela água. No ODS 4 (Educação de qualidade), existe a previsão de acesso a um desenvolvimento de qualidade na primeira infância. Cabe ressaltar que o desenvolvimento de qualidade sem acesso à água de qualidade é impossível. Todavia, enquanto no ODS 5 (Igualdade de gênero) a relação com a água de qualidade não fica clara, no ODS 6 (Água potável e saneamento), essa presença já se encontra no título, e o saneamento, que é um objetivo de suma importância para nosso país, necessita da devida atenção dos gestores públicos para ser atingido de forma magnânima.

Quando se trata do ODS 7 (Energia limpa e acessível) entende-se que a quantidade de água é clara para a geração da hidroenergia, mas aqui a qualidade está voltada para a presença de sólidos capazes de paralisar uma turbina (vide o crescimento de plantas aquáticas em barragens de hidrelétricas). No ODS 8 (Trabalho decente e crescimento econômico), é clara a relação com o aumento das condições de trabalho e produtividade, o que, para o caso do ser humano, não pode ser atingido sem alimento seguro e água de qualidade. Nesse caso, também é imprescindível que essas condições sejam alcançadas sem degradação ambiental, ou seja, que a manutenção de nascentes e fontes naturais de água sejam mantidas para o abastecimento futuro.

O ODS 9 (Indústria, inovação e infraestrutura) prevê a construção de infraestruturas resilientes, a promoção da industrialização inclusiva e sustentável, bem como o fomento à inovação. A água está embutida em todos esses aspectos, até porque pessoas estarão envolvidas. Quanto ao ODS 10 (Redução das desigualdades), fica bastante evidente a necessidade de uniformização do atendimento à população, sobretudo com relação à segurança hídrica e aos serviços de saneamento. No ODS 11 (Cidades e comunidades sustentáveis), também é clara a necessidade de maior atenção às nascentes e fontes de abastecimento de água. A manutenção da qualidade da água para consumo é um tópico básico para cidades e comunidades sustentáveis. O ODS 12 (Consumo e produção sustentáveis) prevê, entre outras ações, o uso eficiente dos recursos naturais, o manejo saudável dos produtos químicos com redução de contaminação do ambiente e a redução da geração de resíduos, todas com impacto direto na manutenção da qualidade da água.

Nos ODSs 13 (Ação contra a mudança global do clima), 14 (Vida na água) e 15 (Vida terrestre) está implícito que a presença da água de qualidade é fundamental. Cabe ressaltar que o ODS 15, embora tenha como título a vida terrestre, também engloba toda a água doce presente no interior dos continentes. Quanto aos ODSs 16 (Paz, justiça e instituições eficazes) e 17 (Parcerias e meios de implementação), percebe-se que as relações políticas e a gestão pública com foco na sustentabilidade são importantes aspectos envolvidos e, assim sendo, cabe nitidamente a abertura de parcerias e fomento à pesquisa para as questões ainda pendentes, sob esse foco.

Partindo dessas descrições, é possível perceber que a água está fortemente enquadrada em quase todos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Mas por que não se enxerga tantas ações voltadas para a água no nosso dia a dia e nas relações e publicações diárias da nossa mídia?

Em vários países, como no Brasil, crises hídricas vêm se mostrando um problema cotidiano. A falta de chuvas em alguns períodos do ano tem criado problemas e conflitos para vários dos usos da água, sobretudo pela escassez, ou seja, quantidade insuficiente para os fins desejados. Mas será que a qualidade da água está sendo observada e controlada para todas as finalidades necessárias?

No Brasil, a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), Lei 9433 de 8 de janeiro de 1997, prevê assegurar a disponibilidade de água em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos. Mas os usos são tão diversos! Seria possível manter o padrão de qualidade para todos?

Infelizmente, não é possível uma PNRH dissociada do uso do solo ou de todas as finalidades pretendidas para os respectivos recursos hídricos. Depois de 16 anos da publicação da Lei 9433/1997, há que se pensar melhor em uma política efetivamente nacional para os recursos hídricos. Políticas para a água precisam ser bem mais discutidas e implementadas nos níveis federal, estadual e municipal em países que querem atingir os ODS, sobretudo no Brasil. Como estará nossa qualidade de água em 2030? Como estará a água para abastecimento humano em 2030? Conseguiremos superar, ou, ao menos, minimizar os entraves à agua de qualidade para todos nos próximos anos? Fica a questão.

*Eduardo Cyrino de Oliveira Filho é pesquisador da Embrapa Cerrados

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Cresce a violência no Brasil

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Por Ricardo Viveiros*

A violência no Brasil, que antes se concentrava em contextos específicos, ganhou novos contornos nos últimos anos. A partir da ascensão de movimentos de extrema-direita que a campanha e, mais ainda, a eleição de Jair Bolsonaro deram palco e luz, o país entrou em uma fase de polarização aguda, onde a intolerância deixou de ser um fenômeno apenas político para se espalhar por outros setores da vida cotidiana. No trânsito, nos estádios de futebol, nas residências e até mesmo nas interações cotidianas no trabalho, escolas, praças o ódio tornou-se uma presença crescente, ameaçando o tecido social brasileiro.

A violência no trânsito é um exemplo claro. Casos emblemáticos, como o do motorista de um carro de luxo que matou um motoboy por um choque no espelho do carro, ganham as manchetes e refletem uma crescente impaciência e desrespeito às leis de convivência. Dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) mostram um aumento significativo de mortes no trânsito nos últimos anos, muitas das quais motivadas pela agressividade, pela imprudência e pelo preconceito social. O perfil de vítimas e agressores revela, em muitos casos, uma divisão de classes e uma falta de empatia por parte dos motoristas de veículos de luxo.

Esse mesmo espírito de confrontação é evidente nos estádios de futebol, onde torcedores de diferentes clubes transformam as arquibancadas e os arredores em arenas de violência. O ano de 2023, por exemplo, registrou um número alarmante de mortes e agressões nas brigas entre torcidas organizadas. O Observatório da Violência no Futebol (OVF) revelou que as mortes relacionadas a confrontos entre torcedores aumentaram em cerca de 30% nos últimos anos, levando a uma onda de pedidos por medidas mais rígidas de segurança e punições.

Assim como os regimes autoritários do passado, a ultradireita se vale do discurso de ódio e da desumanização do adversário político, que considera inimigo, para manter sua base de apoio mobilizada. No caso brasileiro, essa retórica violenta não se restringe à esfera política, mas permeia todas as esferas da sociedade. E a crescente onda de violência alcança outras parcelas da sociedade, atingindo mulheres, pretos, LGBTQIA+, imigrantes, indígenas – enfim, seres humanos que merecem nosso respeito.

Ao agir com arrogância e desdém por valores como respeito e ética, os radicais não apenas aumentam o número de conflitos diretos, mas também legitimam um comportamento agressivo que desestabiliza as relações sociais.

Como nos ensina a história, os regimes autoritários muitas vezes se valem da violência como meio de controle. Na atual conjuntura, as autoridades brasileiras precisam refletir sobre o papel que cumprem ao não combaterem a violência com rigor e sobre o tipo de país que desejam construir. A violência não é um indicador de avanço, mas de retrocesso. Ao ignorar os direitos humanos e incitar a intolerância, o Brasil corre o risco de se tornar refém de uma escalada de ódio que ameaça tanto a segurança pública quanto a dignidade de seus cidadãos.

A ultradireita não é apenas perigosa; é também ineficaz e contraproducente. Em vez de oferecer soluções para os problemas reais do país, ela aposta em uma política de divisão que enfraquece a nação. E, como observou Norberto Bobbio, o uso indiscriminado da violência é uma arma que, no longo prazo, tende a virar-se contra aqueles que a manejam. Combater a violência exige não apenas políticas públicas eficazes, mas também uma sociedade disposta a dialogar e respeitar as diferenças.

*Ricardo Viveiros, jornalista, professor e escritor, é doutor em Educação, Arte e História da Cultura; autor, entre outros livros, de A vila que descobriu o BrasilJustiça seja feita e Memórias de um tempo obscuro.

 

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A sustentabilidade da pecuária brasileira e o protecionismo francês

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Por André Naves (*)

 

A pecuária na Amazônia, frequentemente acusada de ser uma vilã ambiental, é, na realidade, um exemplo de como os avanços tecnológicos, aliados à aplicação rigorosa da legislação ambiental, podem tornar uma atividade produtiva plenamente sustentável. Alegações de que a pecuária seja a principal responsável pelo desmatamento, emissão de gases de efeito estufa e outras problemáticas ambientais frequentemente desconsideram os dados e os avanços recentes no setor, sendo, muitas vezes, uma estratégia protecionista de mercados internacionais, como o francês, para desviar a atenção de seus próprios desafios.

A visão de que a pecuária seja intrinsecamente prejudicial ao meio ambiente ignora os impactos das transformações ocorridas nos últimos anos. No Brasil, políticas como o novo Código Florestal têm exigido a preservação de pelo menos 80% da vegetação nativa na Amazônia Legal. Essa norma, combinada com maior fiscalização governamental e participação social, resultou na redução das taxas de desmatamento e no aumento sustentável do rebanho.

Adicionalmente, a regularização fundiária promovida pelo programa Terra Legal tem reduzido a insegurança jurídica entre os produtores, assegurando a conformidade ambiental e permitindo práticas sustentáveis. O maior controle ambiental aliado ao uso de biotecnologias, como a inseminação artificial em tempo fixo (IATF); e sistemas integrados, como o de lavoura-pecuária-floresta (ILPF), permitem aumentar a produtividade sem a necessidade de expansão sobre áreas nativas. Gramíneas específicas cultivadas em pastos degradados, por exemplo, sequestram carbono e reduzem significativamente a pegada de carbono da produção pecuária, possibilitando uma maturação bovina mais rápida e eficiente.

Embora práticas criminosas como a grilagem de terras ainda existam, é fundamental separar esses atos ilegais da atividade pecuária legítima e sustentável. Áreas invadidas e desmatadas ilegalmente para a introdução de gado representam a exceção, não a regra, e devem ser combatidas com rigor pelas forças policiais e pela Justiça. Criminalizar toda a pecuária amazônica por conta dessas práticas é desonesto e prejudica os produtores que cumprem as normas ambientais e investem em inovação.

O protecionismo agropecuário francês, sob a justificativa de critérios de sustentabilidade, evidencia um jogo político que visa proteger os interesses de seus produtores domésticos, muitas vezes menos competitivos no mercado global. Por outro lado, penalizar produtores brasileiros desestimula a adoção de boas práticas ambientais, pois gera a percepção de que esforços por sustentabilidade não são reconhecidos. Essa situação contradiz os próprios objetivos de conservação ambiental globais, já que a pecuária brasileira, em muitos casos, apresenta pegadas de carbono negativas, consolidando-se como uma alternativa mais sustentável do que práticas observadas em outros países.

A pecuária brasileira é, atualmente, uma atividade sustentável, capaz de aliar alta produtividade à preservação ambiental, especialmente na Amazônia. Além de contribuir para a segurança alimentar global, a produção brasileira sustenta milhares de empregos, promove desenvolvimento regional e fortalece o equilíbrio democrático, em um contexto global cada vez mais polarizado.

É imperativo reconhecer que a carne brasileira não apenas alimenta o mundo, mas também é um símbolo de como o desenvolvimento e a sustentabilidade podem coexistir. Adotar medidas protecionistas sob pretextos infundados apenas ameaça esse equilíbrio, e tudo isso deve ser combatido com diplomacia, evidências científicas e transparência. A sustentabilidade não deve ser usada como desculpa para barreiras comerciais, mas como um elo para unir nações em prol de um futuro mais equilibrado e justo.

*André Naves é Defensor Público Federal especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social, formado em Direito pela USP e mestre em Economia Política pela PUC/SP. É também Cientista Político pela Hillsdale College e doutor em Economia pela Princeton University. Comendador Cultural, Escritor e Professor (Instagram: @andrenaves.def).

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