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ARTIGOS & OPINIÕES

Câmaras territoriais: o experimento constitucional brasileiro que poucos conhecem

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Uma newsletter com histórias, pensamentos e indicações sobre temas ligados ao Poder Legislativo, política e afins.


Esta não é uma edição sobre a Guiana Brasileira.

Você sabia que o Brasil faz fronteira com a França?

Sim, isso acontece porque a Guiana Francesa é um departamento ultramarino francês (ou départements d’outre-mer, como os franceses preferem chamar). Trata-se de um território integral da República Francesa, embora localizado na América do Sul, compartilhando 730 km de fronteira com o estado brasileiro do Amapá.

Na Guiana Francesa, apesar de existirem órgãos executivo e legislativo eleitos localmente, o presidente da França nomeia um representante para liderar o executivo local. Este modelo de administração territorial nos leva a uma curiosidade constitucional brasileira pouco conhecida: as Câmaras Territoriais.

Esta forma de administrar territórios não é exclusividade francesa. O Brasil também já experimentou modelos semelhantes ao longo de sua história republicana, criando áreas sob administração direta do governo federal. Enquanto a França mantém seus territórios ultramarinos como parte integral da república, o Brasil desenvolveu uma abordagem única que, embora hoje não esteja em uso, permanece como possibilidade constitucional para regiões que necessitem de atenção especial do poder central.

Mas o que são os Territórios Federais no Brasil?

Os territórios federais foram unidades administrativas especiais que existiram no Brasil, diferentes dos estados e municípios que conhecemos hoje. Embora não sejam considerados entidades federativas na atual Constituição, eles possuíam um tipo único de legislativo: a Câmara Territorial.

Diferentemente dos estados, que têm autonomia política, os territórios são administrados diretamente pela União. Quando um território é criado, ele funciona como uma extensão administrativa federal, sendo gerido por um governador nomeado pelo Presidente da República após aprovação do Senado Federal.

Brincadeiras à parte, essa ideia vive na onda de memes como uma espécie de revanche histórica tropical: transformar o antigo colonizador em território administrado pelo Brasil, com direito a Câmara Territorial e tudo.

Por ora, seguimos apenas com a fronteira França-Brasil como nossa curiosidade geopolítica mais excêntrica — e com muito mais a aprender sobre o passado e o presente das nossas divisões territoriais.


A Câmara Territorial: um legislativo singular

A Constituição Federal de 1988 prevê que territórios com mais de 100 mil habitantes teriam sua própria Câmara Territorial – um órgão legislativo exclusivo desse tipo de unidade administrativa. Embora esse parlamento não exista atualmente, sua estrutura seria diferente das assembleias legislativas estaduais.

Cada território teria direito a quatro deputados federais (mas nenhum senador). Seguindo essa proporção, uma Câmara Territorial teria aproximadamente 12 parlamentares.

Estes seriam provavelmente chamados de “deputados territoriais”, semelhante ao modelo do Distrito Federal

A competência legislativa dessas câmaras seria mais limitada que a dos estados. Não tratariam de interesses puramente locais (pois os territórios mantêm seus municípios com câmaras de vereadores), nem apreciariam leis orçamentárias (já que os territórios são administrados como autarquias da União). Sua atuação seria principalmente nas competências concorrentes previstas no artigo 24 da Constituição.


A Era dos Territórios Brasileiros

Durante o governo de Getúlio Vargas, o Brasil criou vários territórios federais:

  • Fernando de Noronha
  • Amapá
  • Rio Branco (que posteriormente se tornou o território de Roraima)
  • Guaporé (que se transformou no estado de Rondônia)
  • Ponta Porã
  • Iguaçu

Curiosamente, embora a Constituição de 1988 mantenha a previsão de territórios federais, ela não criou nenhum. Os antigos territórios que ainda existiam foram elevados à categoria de estados ou reincorporados aos estados de origem.


O caso excepcional de Fernando de Noronha

Fernando de Noronha representa um caso particularmente interessante. O arquipélago, que hoje pertence a Pernambuco, foi território federal entre 1942 e 1988.

Atualmente, Noronha possui um status único no Brasil: é o único distrito estadual do país. Sua administração é feita pelo governo de Pernambuco, que indica um administrador-geral para o arquipélago.

Há uma proposta de emenda à constituição estadual de Pernambuco que busca tornar este cargo eletivo. Se aprovada, o administrador-geral precisaria ter domicílio eleitoral no arquipélago (residindo ali por pelo menos dois anos) e seria eleito por voto direto dos moradores, com mandato de quatro anos coincidente com as eleições para governador. Isso criaria um modelo administrativo sem paralelos no país e atenderia uma demanda dos moradores do arquipélago.


Por que isso importa hoje?

O estudo das Câmaras Territoriais nos faz refletir sobre formas alternativas de organização político-administrativa. Em um país continental como o Brasil, com regiões de baixa densidade populacional e áreas estratégicas de fronteira, o modelo de territórios federais poderia oferecer soluções para desafios específicos de desenvolvimento regional.

Compreender essas estruturas constitucionais, mesmo que nunca implementadas plenamente, nos ajuda a pensar em possibilidades de gestão territorial que equilibrem a presença do poder central com a representação local – um debate sempre atual em nossa democracia federativa.

E do jeito que o mundo está tão dinâmico, alguém pode muito bem aparecer com a ideia de criar novos territórios federais no Brasil.


Avisos e proclames

  • A edição da QPD que você lê agora é a de número 100! Agradeço a cada um de vocês que lê e acompanha a newsletter.
  • No dia 14 de abril, um rascunho de QPD praticamente em branco foi disparado. Peço desculpas pelo incomodo. Se ficou curioso, o tema deve voltar em junho.
  • A edição de hoje surgiu da leitura do livro Fundamentos do Processo Legislativo, de André Corrêa de Sá Carneiro, Luiz Claudio Alves dos Santos e Miguel Gerônimo da Nóbrega Netto. Sobre Fernando de Noronha, agradeço aos amigos da ALEPE que me contaram sobre essa discussão. Esta edição não tem relação com o meme da Guiana Brasileira, mas calhou.

Participei do programa Explica Tudo da TV Assembleia de Mato Grosso:

Agradeço aos amigos da TVAL e da produtora do programa.



Vale o clique

  • Quênia versus Meta.
  • Pedro Fernando Nery fez uma coluna em áudio para explicar o consignado do FGTS. Bom para compreender a questão teórica. Mas conhecendo as práticas abusivas na contratação de consignados continuo temer a aplicação prática da medida.

    A post shared by @textodalei
  • O Papel das Comissões no Processo Legislativo Brasileiro Federal, por Catherina Pignaton.

A post shared by @redem.inct

Vizinhança

Patti Smith
Tonight before sleeping I am contemplating the last twelve years with Pope Francis. Though not a Catholic I was drawn to this kind, openminded and staunch humanitarian. I felt safer knowing he was among us, doing his best to follow and preach Christ’s teachings. It is fitting that his last words to the public should strongly focus on Peace. May he ascen…
a day ago · 698 likes · 116 comments · Patti Smith
Malabarista de Palavras
As línguas são dinâmicas, mudam de acordo com os hábitos dos usuários. Na Idade Média, somente o latim era denominado língua, sendo os demais idiomas e modos de falar chamados de linguagens ou até mesmo de vulgares. O latim se diferenciava pelo uso restrito às elites letradas. Fora isso, tudo o que se tinha era popular, grosseiro, para usar sinônimos at…
6 days ago · 2 likes · 1 comment · Larissa Campos
Spotlight por TMDQA!
Olá! Nos dois últimos finais de semana, a Califórnia foi sede para mais uma edição do Coachella, festival que segue sendo o mais hypado do planeta…
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Wesmey Silva
Rescentemente a Secretaria Nacional de Planejamento do Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO) tornou público o Guia de Elaboração do Plano Plurianual (PPA) para os Municípios, documento que traduz, em linguagem prática, as inovações metodológicas adotadas pelo Governo Federal em seu próprio PPA 2024‑2027 e as adapta para o ciclo municipal 2026‑202…
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Justiça Internacional
A recente morte do Papa Francisco em 21 de abril de 2025 deixou a Santa Sé em um período de sede vacante,simbolizado pelo emblema do Vaticano, o guarda-chuva amarelo e vermelho, de um trono vazio. No entanto, mesmo com o papado vago, a Santa Sé continua sendo um sujeito ativo do direito internacional e da diplomacia, sendo guiado pelas suas leis canônic…
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Quinze por Dia, ou simplesmente QPD, é uma newsletter quinzenal com histórias, pensamentos e indicações sobre temas ligados ao Poder Legislativo, política e afins, por Gabriel Lucas Scardini Barros. Estou à disposição para conversar no Instagram @gabriel_lucas. Caso tenha recebido esse e-mail de alguém ou chegou pelo navegador, siga esse link para assinar.

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© 2025 Gabriel Lucas Scardini Barros
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Quando a fé encontra a floresta: a urgência de cuidar da nossa casa comum

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Por Sonia Mazetto*

Você já ouviu falar da Iniciativa Inter-Religiosa pelas Florestas Tropicais no Brasil (IRI-Brasil)? Talvez ainda não, mas se você acredita na força do coletivo, na espiritualidade como ponte de transformação e no poder das pequenas ações, está mais perto desse movimento do que imagina. Eu, como curiosa que sou, já faço parte.

Esse movimento é um projeto muito especial que une líderes religiosos de diversas tradições, incluindo cristãos, ayahuasqueiros, espíritas, povos indígenas, entre outros, todos em torno de uma missão comum: defender as florestas tropicais, combater as mudanças climáticas e proteger os direitos de comunidades tradicionais. O mais importante disso tudo é entender que atuamos muito além da política, mas também pelo respeito à criação, à vida e à dignidade.

Quando conheci o movimento, a primeira pergunta que me veio foi: o que exatamente significa “inter-religioso”? A resposta, para minha surpresa, era mais simples e mais poderosa do que eu imaginava. Trata-se de um chamado para que todas as religiões, sem abrir mão de suas crenças ou práticas, assumam seu papel de liderança na formação de consciência ambiental. Esse seria um convite para que os líderes religiosos, e toda a sua potência como porta-vozes, possam estimular as pessoas a agirem e adotarem valores em atitudes.

Às vezes nos parece distante a ideia de cuidar do meio ambiente. É como se não morássemos no planeta. Agora pense em seu quintal, a Terra vai além de nosso quintal, ela é nossa casa. O movimento mostra que o cuidado ocorre em ações simples, como promover limpeza de parques com jovens, falar sobre descarte correto do lixo nas igrejas, abordar a crise hídrica com crianças e até organizar campanhas comunitárias com apoio de tecnologias sociais, como filtros de água para populações em risco. Acontece também no simbólico: ao plantar uma árvore em uma celebração, ao orar pela Terra, ao reconhecer que o planeta adoece quando o ser humano se distancia do cuidado.

Esse movimento me tocou profundamente. Não apenas pela causa ambiental, mas porque ele fala também de saúde espiritual, de convivência, de tolerância religiosa. Num mundo onde ainda há quem quebre imagens de fé por ódio ou medo do diferente, o IRI escolhe o caminho inverso: o da união pela vida. Afinal, o planeta é um só e a floresta é de todos, seja você de qual crença for.

Não há mais tempo para romantizar o colapso ambiental. Os dados são duros, as queimadas aumentam a cada ano, a água limpa falta em muitos lugares, as enchentes devastam onde antes nem chovia. Não há venda que esconda que o clima extremo já é realidade, mas acredito que ainda há espaço para esperança, e ela começa por mim e por você, com ações locais, sustentadas por fé, ciência e comunidade.

O planeta não é cenário, é personagem e está pedindo socorro. Talvez o profeta Isaías já soubesse disso quando questionava a dor da Terra… e pode ser que a resposta que ele recebeu, de que o sofrimento seria passageiro e que haveria restauração, ainda venha a se realizar. Mas nada “cai dos céus”, sem esforço e mudança e, com certeza, sem união.

Cuidar do planeta não é um gesto grandioso, é um gesto diário, como quem rega o que ama. Afinal, proteger a Terra é, no fim das contas, cuidar da nossa própria história e, se pensarmos bem, o futuro começa onde nossos pés pisam HOJE. Que a floresta que cresce lá fora também floresça dentro de nós.

 

*Sonia Mazetto –

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O caminho até a cidadania portuguesa: uma jornada pela descendência sefardita

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Processo exige documentação extensa e apoio jurídico especializado

Fortes Máximo, 69 anos, vive no estado do Rio de Janeiro e sempre soube de suas raízes familiares, mas não imaginava que sua ancestralidade o levaria a buscar a nacionalidade portuguesa. Seu antepassado do século XV serviu à coroa espanhola em um período marcado pela Inquisição, que resultou na expulsão de judeus sefarditas da Península Ibérica.

Desde 2015, Portugal permite que descendentes de judeus sefarditas solicitem a nacionalidade portuguesa, reconhecendo a herança histórica dessas comunidades. No entanto, o processo é complexo e exige comprovação documental detalhada da linhagem familiar. Máximo iniciou sua jornada com o auxílio de um genealogista, mas enfrentou dificuldades quando a Comunidade Israelita de Lisboa, responsável por certificar a ascendência sefardita, não aceitou a documentação apresentada. Sem essa certificação, o pedido de nacionalidade não poderia prosseguir.

Diante deste obstáculo, ele decidiu aprofundar seus próprios estudos genealógicos, consultando arquivos históricos e corrigindo inconsistências em registros antigos. Após reunir as evidências necessárias, ainda enfrentava um desafio: o tempo. Com problemas de saúde, precisava que seu pedido fosse analisado com urgência. Foi então que procurou a assessoria jurídica da Martins Castro, especializada em processos de nacionalidade portuguesa. “Se tivesse desde o início uma assessoria jurídica que entende a complexidade, sabe quais passos são necessários para que o processo todo seja bem sucedido e agilizado, talvez já estivesse com a minha nacionalidade concluída”, afirma Máximo.

A equipe jurídica, liderada por Isabel Comte, jurista que atuou por 16 anos como conservadora dos registros na Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa, entrou com um pedido especial para acelerar o trâmite. A experiência no setor fez diferença: o caso de Máximo avançou. Hoje, ele aguarda os últimos passos para concluir sua nacionalidade.

Nos últimos anos, o processo de nacionalidade portuguesa por descendência sefardita tem passado por mudanças significativas. A Lei Orgânica n.º 1/2024, de 5 de março, introduziu a exigência de residência legal em Portugal por pelo menos três anos para os candidatos, tornando o procedimento ainda mais complexo. Além disso, o aumento no número de solicitações resultou em atrasos consideráveis na análise dos pedidos, com médias de espera entre dois a três anos para processos de descendentes de judeus sefarditas.

A experiência de Fortes Máximo evidencia a importância de uma assessoria jurídica qualificada para navegar pelas complexidades do processo de nacionalidade portuguesa por via sefardita. A comprovação documental minuciosa e as constantes alterações legislativas tornam o acompanhamento profissional não apenas recomendável, mas essencial para o sucesso da solicitação.

Sobre a Martins Castro

Com sede em Lisboa, Portugal, Martins Castro foi fundada pelo brasileiro Renato Martins e presta consultoria jurídica especializada em mobilidade internacional para indivíduos e empresas interessados em estabelecer-se na Europa.

Entre os serviços oferecidos estão processos de nacionalidade portuguesa por via sefardita, reconhecimento de nacionalidade para descendentes de cidadãos portugueses, nacionalidade espanhola, obtenção de vistos e autorizações de residência, abertura de negócios, consultoria empresarial, investimentos e habilitação profissional.

A Martins Castro mantém operações em Lisboa e unidades no Brasil, México, Colômbia, Estados Unidos e Israel, viabilizadas por uma rede internacional de conexões.

 

Por Adriana – Agência EmeDois

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